Packard
Woerdenbag

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As Raízes do Projeto

DE NITERÓI PARA
O MUNDO

O Brasil, antes da ascensão de marcas como Puma e Santa Matilde, já contava com um esportivo de renome internacional, o Packard Woerdenbag. Este veículo, construído nos anos dourados do país, foi tema de reportagens e matérias sobre carros nacionais feitos artesanalmente antes do surgimento da indústria automotiva brasileira. Este automóvel, obra de João Geraldo Woerdenbag, um holandês radicado no Brasil, permaneceu quase desconhecido até 2020, quando foi redescoberto por um jovem colecionador do interior paulista.

O Retorno do
Packard
Woerdenbag

Mas como nesse mundo do automóvel antigo quase todos se conhecem e, embora existam ainda muitos mistérios, carros raros não ficam despercebidos por muito tempo, e o colecionador teve uma grata surpresa em uma conversa com um amigo. “Eu e um amigo estávamos falando sobre coisas raras que ainda existiam por aí. Mencionei o Packard de Woerdenbag e ele falou: ‘Eu sei onde está esse carro, e o dono quer vender!’. Aí falei: ‘Você está brincadeira? Nos anos 90 vi ele e depois nunca mais ouvi falar!’. Então, graças a ele, finalmente consegui realizar o sonho de comprar esse carro tão interessante”, conta ele.

O mundo do automóvel antigo é cheio de surpresas. O famoso Packard Woerdenbag, esportivo construído no Rio de Janeiro/RJ, na década de 1950, reapareceu, e para entendermos melhor essa trajetória, temos de voltar para 1920, quando Johanes Gerardus Woerdenbag, um holandês de Haia, chegou ao nosso País, e é Rogério Ferraresi que nos conta essa história.

Vindo da Alemanha, Johanes trabalhou para a prefeitura de Niterói. Aqui se casou com Maria Luisa, filha de um diplomata português, do qual recebeu, como herança, um palacete do fim do século XIX. Nesse imóvel, localizado na Rua do Senado, nº 341, o holandês, que logo “aportuguesou” o nome para João Geraldo, montou a sua oficina mecânica, a Woerdenbag Motors. Para tanto, em junho de 1922, dissolveu a sociedade que tinha em outra empresa do gênero, a Woerdenbag e Dresler Ltda, com um certo Wilhem Dresler.Segundo seu filho Thomas, que explicaria em uma reportagem publicada na edição de 17 de fevereiro de 1980 no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro/RJ), a oficina nasceu por acaso: “Um dia, o carro do dentista da minha mãe estava encrencado. Ninguém conseguia consertar. Foram pedir ao meu pai e ele deu um jeito”. Posteriormente, João Geraldo, já conhecido entre os automobilistas da então Capital Federal como “João Alemão”, se tornou o único mecânico do Rio de Janeiro credenciado pela Rolls-Royce a fazer manutenção e reparos nos motores dos carros da marca. Naturalmente, o holandês que, além de mecânico, era marceneiro, soldador, funileiro e pintor, começou a ser procurado por diversos automobilistas da época para cuidar de seus carros de corrida, caso de Rubem Abrunhosa.

Longa carreira: nascido em 23 de outubro de 1915, Abrunhosa começou a correr aos 18 anos de idade, em 1933, com um REO. Disputou o IV Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro ou, em outras palavras, a Gávea de 1936, com o Studebaker de Moraes Sarmento e Gaspar “Alagoano” Ferrario. Também pilotou carros mais humildes, como um Ford Modelo T. Com ele correu, em 1937, no Circuito Nova Iguaçu (“Circuito das Cucarachas”), também no Rio de Janeiro.

Ainda em 1937, com um Plymouth roadster, Abrunhosa estabeleceu o recorde de 02h05m do trajeto Rio de Janeiro-Juiz de Fora (que, pelo menos até a década de 50, não foi batido por outra pessoa) e fez a prova Rio-Belo Horizonte. Disputou também o V Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro com um Alfa Romeo 8C 2300 Monza, de 2.300 cm³ com compressor, carro usado por Manuel de Teffé no ano anterior. Voltou a inscrever-se, em 1938, no “Trampolim do Diabo”, para o I Circuito da Gávea Nacional/Prêmio Comendador Sabbado D’Angelo, com um carro adaptado. Tratava-se de um Bugatti equipado com motor Studebaker President 8, talvez o mesmo do Studebaker com o qual Abrunhosa correu na Gávea de 1936.

O Studebaker President surgiu em 1926, mas só recebeu o motor de oito cilindros em linha, de 312,5 polegadas e 5.121 cm³, em 1928. Nesse mesmo ano a marca absorveu a Pierce-Arrow, passando a se beneficiar do desenvolvimento tecnológico daquela empresa. Assim, em 1931, houve um aumento de cilindrada (337 polegadas ou 5.520 cm³) e, além disso, o sistema de lubrificação foi reprojetado, diminuindo o desgaste das bronzinas dos nove mancais de apoio do virabrequim. Vale citar que ter nove mancais era outra vantagem desse motor porque, na época, a maioria dos oito cilindros tinha apenas cinco mancais. Não se sabe a qual série pertencia o motor adaptado no Bugatti e nem se o carro teria êxito: Abrunhosa não participou da largada. Com o mesmo carro, o piloto se inscreveu, em 1939, no II Circuito da Gávea Nacional.

Vitória na Gávea: necessitando de um carro mais competitivo, Abrunhosa procurou a Woerdenbag Motors. Assim, se inscreveu no III Circuito da Gávea Nacional, disputado em 10 de novembro de 1940, com um biposto que, construído por João Geraldo, teria sido o primeiro carro de corridas feito no Brasil. O bólido, que pertencia a seu criador, tinha motor Studebaker President (o mesmo do Bugatti?) e suspensões de Alfa Romeo (talvez do Monza utilizado no V Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro), mas todo o resto foi feito no palacete convertido em oficina da Rua do Senado. Esse trabalho foi acompanhado pelos dois filhos do holandês, o já citado Thomas, nascido em 1924, e João Luiz, sendo que este último viria a ser o pai do músico João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão.

A revista “Motor”, em sua edição de número 18, publicou o seguinte texto sobre o biposto: “As rodas receberam raios de cromoníquel trabalhados nas modelares oficinas de Woerdenbag. Do motor só o bloco é original, as demais peças procedem de outras fontes (…). O eixo de comando tem um levantamento maior e é mais rápido (…). Nada menos de quatro carburadores servem esse motor (…). Os elementos de frenagem, notadamente dos tambores, foram desenhados e fundidos para comportar o coeficiente de fricção, isso depois de cálculos apurados”. Além disso, uma característica curiosa do veículo seria citada pelo jornal “O Globo Sportivo”: “Dentro dele havia um sistema de refrigeração, possuindo de um lado garrafa de água gelada e do outro Toddy (?!)”.

Abrunhosa: Vitórias, Aviação e Desafios na Gávea

Chico Landi, com Maserati, e Oldemar de Barros e Geraldo Avellar, ambos com Alfa Romeo, seriam fortes adversários, mas Abrunhosa venceu os três na Gávea usando o carro de João Geraldo. Nesse mesmo 1940, no Yacht Club (posteriormente Fluminense Iate Clube), Abrunhosa deu início à sua carreira de aviador, desejo que nutria desde os 15 anos de idade, sendo “brevetado” por David Mac Menamim, antigo piloto de provas da fábrica de autogiros Pitcairn. O clube recebera biplanos Muniz M-7 e M-9, de fabricação nacional, graças à campanha “De Asas Para o Brasil”, criada pelo jornalista Assis Chateaubriand.

Com o carro da Woerdenbag Motors, o piloto também disputou a Gávea de 1941, ocasião na qual o motor, devido à escassez de gasolina decorrente da II Guerra Mundial, teve de ser adaptado para utilizar álcool anidro e benzina. Paralelamente, Thomas prestou vestibular e ingressou no curso de engenharia, mas teve de interromper o mesmo (cursou até o quinto ano) devido à convocação militar.

Retorno às Pistas e Desafios na Construção do Novo Carro

Porém, terminado o conflito e após retornar para casa, desistiu da engenharia e passou a trabalhar com o pai. Com a paz voltaram as corridas e Abrunhosa, ainda pilotando o biposto, disputou as Gáveas de 1947 e 1952, mas a aviação começou a afastá-lo das pistas. Esse motor de oito cilindros flathead, de válvulas laterais, foi o mais popular em toda história da Packard, sendo oferecido de 1924 até 1954, ano qual só os carros dessa marca e os Pontiac ainda eram fabricados com tal tipo de propulsor, substituído, em ambos os acasos, por modernos motores V8 com válvulas no cabeçote em 1955. Famosos por sua durabilidade, funcionamento suave e longa vida útil, os motores Packard de oito cilindros em linha também tinham as suas desvantagens. Além de não “respirarem” tão bem quanto um OHV, necessitavam de um virabrequim muito longo e, portanto, extremamente pesado, pois utilizava uma grande quantidade de material para obter a rigidez necessária. É curioso, portanto, que Thomas tenha decidido utilizar um motor defasado, no fim de seu desenvolvimento tecnológico, ao invés de um moderno V8 OHV de marcas como Cadillac ou Oldsmobile.

Certamente, para o novo projeto, houve o aproveitamento de várias peças utilizadas no biposto que foi pilotado por Abrunhosa. Essa “canibalização” parece lógica porque, segundo o escritor Paulo Scali explica em seu livro “Circuito da Gávea”, “o antigo motor e o painel originais (do carro de corridas) foram doados pela família Woerdenbag ao Veteran Car Club do Rio de Janeiro”, o que indica a desmontagem do antigo veículo que, é claro, não estava mais em uso. Tanto é que, no carro de Thomas, foi empregado um eixo rígido na dianteira, com um par de feixes de mola. Pelas fotos publicadas na época, é possível ver que as molas eram ancoradas em arranjo idêntico ao usado na Alfa Romeo 8C 2300 Monza (muito embora os antigos amortecedores reguláveis de fricção tivessem sido substituídos pelos do tipo hidráulico telescópico de dupla ação).

A carcaça do diferencial é semelhante à do carro italiano (relação de 4,25:1), mas sua tampa não, pois aparenta ser de chapa de aço estampada e não fundida em alumínio. Provavelmente não é do 8C 2300 Monza, que era frágil, razão pela qual, inclusive, o piloto Tazio Nuvolari teria se recusado a correr com carros desse tipo em 1933. O emprego de amortecedores modernos se repetia na traseira do “novo” veículo, que também usava feixes de mola. Os freios eram a tambor e de grande diâmetro. Segundo nota publicada na página 16 da revista Automóveis e Acessórios nº 127, de julho de 1956 (quando o carro já estava finalizado), a caixa de câmbio seria do Jaguar C “Competition” e os instrumentos de painel da marca Stewart Warner. Dizia ainda a publicação que “o motor, que era de 180 HP (327?), foi modificado para 350 HP (além das modificações internas, foram empregados quatro carburadores e seus respectivos coletores de admissão), podendo atingir a velocidade de 240 km/h. O peso do veículo é de 1.300 kg. O carro faz 90 km com 20 litros de gasolina”. Jaguar C-Type, como se sabe, foi produzido entre 1951/53 e utilizava muitos componentes mecânicos do XK-120, não sendo difícil imaginar que as relações do câmbio de quatro marchas fossem as mesmas desse último: 1ª: 3,37:1; 2ª: 1,98:1; 3ª: 1,37:1 e 4ª: 1,00:1.

Muitos problemas na construção do carro foram surgindo e Thomas foi vítima de algo semelhante à Síndrome de Burnout. O entusiasmo foi acabando e, em maio de 1954, o rapaz decidiu que o melhor era se desfazer do carro, o qual ainda estava longe de ser finalizado. O primeiro interessado que apareceu foi um piloto da época. A ele Thomas explicou ter gasto, até aquele momento, Cr$ 300 mil apenas em peças, cujos recibos foram apresentados ao candidato a comprador. Explicou ainda que estava disposto a vender o veículo por aquele valor, sem cobrar nada pelo trabalho realizado. O sujeito voltou a observar o automóvel e fez sua proposta: Cr$ 100 mil. Thomas se enfureceu de tal modo que pegou uma barra de ferro para destruir sua criação, mas felizmente foi detido por um funcionário da oficina.

 

O ESPORTIVO QUE CONQUISTOU O
RIO DE JANEIRO

Surge o Packard Woerdenbag: o construtor foi para casa e sequer conseguiu dormir. No dia seguinte procurou um médico, que lhe sugeriu tirar férias. Decidiu então viajar para os EUA e assim ele fez. Depois de suas férias, ao retornar revigorado, optou por dar um novo rumo ao seu projeto: ao invés de fazer um carro de corridas, construiria um esportivo de rua. Um modelo de “gran turismo”, como se dizia na época. Provavelmente foi influenciado pelos esportivos estadunidenses feitos por pequenos fabricantes da época, como Kurtis, Woodill, Cunningham, Victress, Glasspar e outros.

Thomas recomeçou então o trabalho fazendo toda carroceria, de elegante desenho próprio, não em fibra de vidro, mas em chapas de metal moldadas à mão. Um detalhe interessante foi o painel, também feito em chapa que, todo perfurado, exigiu vários dias e noites de trabalho para ficar pronto. Os emblemas também foram feitos de modo artesanal, incluindo as três peças no formato do mapa do Brasil e o friso montado logo acima da grade, com o mesmo desenho do símbolo da oficina.

Abrunhosa e o Primeiro Carro
de Corrida Brasileiro

Praticamente tudo empregado no esportivo foi feito na Rua do Senado, mas algumas peças foram aproveitadas de outros veículos. A grade do radiador, por exemplo, conforme identificou o artista Dan Palatnik (autor dos belos desenhos aqui publicados), é a mesma do Hillman Minx 1954 com a logomarca retirada.

As lanternas dianteiras vieram de um Buick 1953, as traseiras são de Chevrolet Bel Air 1955, curiosamente também utilizadas por outro esportivo nacional da época, o Casini Alfallac. No interior, o que se destaca é o rádio que veio de um Pontiac 1953, provavelmente o para-brisa empregado, do tipo panorâmico, foi a vigia traseira invertida de algum outro carro estadunidense da época, sendo adornado com o respectivo friso de aço inox. Já as rodas raiadas de cubo rápido possivelmente sejam de Isotta Fraschini, já que constam os logos da marca dentro das borboletas de aperto.

A tinta usada no esportivo foi desenvolvida por Thomas: um tom de azul que, conforme diminuía a intensidade da luz, aparentava ser verde, mas há vestígios no carro de que ele também já foi preto antes de ser pintado de vermelho, a cor atual. Os trabalhos foram encerrados em seis de julho de 1956, quando os amigos se reuniram na Woerdenbag Motors para comemorar o fato. João Geraldo foi o primeiro a entrar no carro. Ou, pelo menos, tentou: o esportivo, baixo e com o volante muito grande, não permitiu ao robusto holandês, após abrir a pequena porta do motorista, passar as pernas para dentro. Nesse momento teria, segundo, uma reportagem da época, reclamado com Thomas: “Que diabo! Você fez um carro para criança!”. Pouco depois, no dia 18, Thomas foi até o Serviço de Trânsito para regularizar a situação de seu fora de série. Estava decidido a licenciá-lo utilizando as placas do seu Buick (de número 828), pois, na época, as chapas de um carro pertenciam a seu proprietário e não ao veículo que o mesmo tivesse.

Vale lembrar que, em julho de 1956, o único automóvel nacional era o Romi-Isetta, pois a Vemag só fabricaria a primeira perua DKW, ainda baseada no modelo Sonderklasse Kombiwagen Universal F-91, no dia 19 de novembro. Assim, o funcionário da autarquia entendeu que aquele carrão tinha vindo do exterior e pediu a quarta via para Thomas, documento que permitia comprovar a regularidade da importação. “Que quarta via?”, perguntou o rapaz, que logo respondeu que tal documento não existia. “Então seu veículo não pode ser licenciado”, retrucou o outro. “Mas meu amigo, o meu automóvel não foi importado. Ele foi feito por mim mesmo, na Rua do Senado!”, explicou.

O burocrata olhou Thomas, pensou um pouco e determinou: “Então qual é a marca? Sem marca também não se pode licenciar!”. O construtor foi pego de surpresa: “Para falar a verdade, ainda nem pensei nisso… Mas não pode ser o meu sobrenome?”. O sujeito, talvez para resolver logo uma situação que nunca enfrentara antes (e provavelmente desejoso de se livrar de Thomas), concordou. Nascia, assim, o Packard Woerdenbag, que também seria conhecido, talvez devido aos seus emblemas, como Packard Brasil.

Rodando com o esportivo: devidamente emplacado em 20 de julho, o carro debutou em público dois dias depois, um domingo, no Circuito da Praia de Botafogo, cuja divulgação teve o apoio dos Diários Associados de Assis Chateaubriand e, por tal motivo, reuniu um público de 30 mil pessoas. A corrida foi vencida por Arthur de Souza Costa Filho, com uma Ferrari, que superou outros esportivos interessantes, como Jaguar XK 120, Austin-Healey 100 e MG TD/TF, mas o carro que roubou a cena foi o Packard Woerdenbag.

Ele não participaria da prova, apenas desfilaria, ostentando uma bandeira brasileira sobre o capô e uma faixa com a palavra “Brasil”, que seria providenciada pela organização do evento em conjunto com a prefeitura. Ao chegar a Botafogo, porém, os guardas de trânsito averiguaram a lista dos carros inscritos na corrida e, não sendo o caso do Packard Woerdenbag, impediram a sua entrada, demonstrando a qualidade da “organização” do certame, que não tinha comunicado a quem devia sobre o combinado com Thomas.

O DECLÍNIO E O RESGATE

DO ESQUECIMENTO AO RENASCIMENTO

O construtor contou por diversas vezes a história do convite que recebera, mas, percebendo que seria inútil continuar argumentando, começou a manobrar o carro para voltar para a Rua do Senado. Nisso, um dos integrantes da organização chegou correndo e, ofegante, conseguiu colocar o esportivo para dentro do evento. A bandeira e a faixa, é claro, não haviam sido providenciadas, mas o prefeito Francisco Negrão de Lima estava lá. O político, é claro, aboletou-se no conversível e, sorridente, exibiu-se para o povo. Ao final da voltinha, virou-se para Thomas e perguntou que carro era aquele, cujo modelo não conhecia. Tendo sido informado sobre sua origem, achou que fosse piada e respondeu, antes de sair do Packard Woerdenbag, com um irônico “Ah, é? Tá bom…”.

Em pouco tempo o carro ficou conhecido na então Capital Federal e logo se tornou matéria de jornal, fazendo um grande número de curiosos “visitarem” a Woerdenbag Motors. A situação, mesmo incômoda, não irritava Thomas, até que um “entusiasta” resolveu checar se a carroceria era forte mesmo e chutou uma porta. Certificou-se, assim, que “o material era bom”, porque só fez uma mossa. “Mas será que a outra porta também é boa?”, indagou a si mesmo. E, para ter certeza, fez o mesmo teste do outro lado do carro.

Os anos seguintes: Thomas voltou a aparecer nos jornais, mais precisamente no Correio da Manhã de 04 de setembro de 1960, ao ser um dos vencedores do “2º Grande Sorteio Polidor Duco 7”, realizado nos estúdios da TV Rio, sendo agraciado com 100 litros de gasolina. Assim como Abrunhosa, ele e o irmão João Luiz (que abriria a sua própria oficina, a Motorfix) passaram a se dedicar ao kart.

Thomas, nos anos 70, reformou a Lola T-70 e preparou o Avallone Chrysler da Equipe De Paoli, fez a manutenção do Jaguar E-Type do cantor Roberto Carlos e tornou-se conselheiro da Confederação Brasileira de Automobilismo. Na mesma década, João Luiz preparou o Opala do piloto Amauri Peixoto, os dois motores Chevrolet 4100 da lancha Cobia de Leopoldo “Biju” Noronha e construiu uma pick-up Maverick partindo de um modelo de quatro portas.

Ainda nessa época, João Geraldo e Maria Luisa fizeram bodas de ouro e, para comemorar, decidiram ir para a Holanda, pois havia mais de cinquenta anos que o mecânico não visitava o seu país de origem. Porém, ao chegar a Portugal, primeira escala da viagem, João Geraldo desistiu da ideia e, com sua esposa, tomou o primeiro voo disponível, retornando para o Rio de Janeiro.

No início da década de 80, o empresário João Flavio Lemos de Moraes, do grupo Supergasbrás, encomendou a Thomas a fabricação de um carro especial, o JF-1. Finalizado em julho de 1982 com um custo total de Cr$ 16 milhões (carros populares como o Chevette custavam cerca Cr$ 1,4 milhão), o JF-1 utilizava o chassi e a mecânica do Ford Landau, mas todo o resto era construído à mão, incluindo a carroceria de seis metros e as rodas raiadas.

O carro, que tinha vidros à prova de balas, seguia a receita do Clenet estadunidense e seu correspondente nacional, o Concorde, lembrando os modelos de luxo da década de 30, mas com todas as comodidades modernas.

A Motorfix encerrou as suas atividades no fim dos anos 80 e João Luiz tornou-se funcionário de uma concessionária de importados. Posteriormente, passaria a cuidar dos carros da família Marinho, do Grupo Globo.

Atualmente o Packard Woerdenbag está sendo preservado como um “barn find”, mantendo-se exatamente tal o dia em que foi adquirido, inclusive a poeira de quando foi achado. “Quero apresentar o carro primeiramente no estado em que ele está, em um grande evento nacional. Depois eu vou fazer uma restauração minuciosa para deixar o carro como era na época em que foi finalizado, e o fato de preservar a maior parte de suas características originais vai facilitar o trabalho”, conta o atual proprietário.

Por fim, vale citar que entramos em contato com o Sr. Marcelo Nahas, que cuida dos interesses de Lobão, sendo informados pelo mesmo que o cantor não sabia nada sobre o veículo ou o projeto do tio e, portanto, não poderia nos ajudar a contar a sua história. O importante, entretanto, é saber que o magnífico Packard Woerdenbag ainda existe, foi resgatado e em breve voltará a rodar com toda a esplendorosa elegância que fez dele um dos mais belos esportivos da década de 50.

Revista Classic Show
Colaboração: Rogério Ferraresi
 
Agradecimentos: ao proprietário do automóvel, a Portuga Tavares, João Pedro Gazineu e Dan Palatnik (garagemdigital.blogspot.com / instagram.com/danpalat)

Packard
Woerdenbag

Este projeto de restauração do Packard Woerdenbag é uma homenagem ao pioneirismo e à habilidade artesanal na história automotiva brasileira. Nosso objetivo é não apenas devolver a vida a esta raridade, mas também preservar e compartilhar a rica história que ele representa. Acompanhe-nos nessa jornada de revitalização e redescoberta de um ícone esquecido.